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Em Portugal, um novo partido, o ADN, pode constituir a grande surpresa das próximas eleições com as suas exemplificadas denúncias de um sistema que conduziu o país a rendimentos e vidas miseráveis, ineficiências generalizadas nos sistemas públicos e preocupante mal-estar social
A contestação será muito viva se a despesa pública que é possível fazer for gasta em devaneios geopolíticos
Este mandato de Trump é muito diferente do primeiro. Agora está à frente de uma equipa consistente em ideologia e objetivos

Acabou a mama 

Houve quem achasse que a subida mundial dos preços era transitória, uma mera ressaca da pandemia e que se voltaria à normalidade de juros baixos quando a normalidade voltasse, o que se estimava, pelos vistos, para breve. Acontece que a disrupção (não gostamos da palavra, mas é a certa) causada pela pandemia tem consequências longas, assim como muitos dos infectados ficam a sofrer das sequelas de COVID-19 a prazo. Ora, países como Portugal aguentaram-se, nos últimos anos, à custa de juros muito baixos, o que manteve estáveis os encargos que o orçamento tem de suportar com a dívida acumulada, maior do que a que levou o país à bancarrota e à intervenção da Troika.

O Banco Central Europeu vem mantendo as taxas de juro baixas e comprado, a preço baixo, a dívida dos Estados da União. Portugal deve o seu equilíbrio orçamental, tanto no primeiro consulado Costa, como neste segundo, agora interrompido, aos juros baixos e à baixa inflação interna. Os tempos mudaram. O BCE já não garante nada. Se os preços subirem tem de utilizar o instrumento taxa de juro para controlar a situação. Acabou a mama. Com PRR ou sem PRR as coisas vão deteriorar-se. O PRR tapa buracos do Estado e apoia alguns grandes projectos, mas não remove os maus vibes para o investimento e actividade empresarial.

O que é mais interessante é que numa situação em que o país tem uma produção de riqueza medíocre, uma produtividade estagnada, rendimentos médios que se aproximam do mínimo de subsistência ocidental, ora se prepare o regresso ao tipo de governação que teve estes muito maus resultados, numa cena televisiva de "perdoa-me, mas aqueles eu não quero", ora se discute, entre a alternativa ao actual estado de coisas, a designada direita, quais são as «linhas vermelhas» que os partidos que a integram se colocam entre si, sem ninguém a mostrar-se muito interessado em falar no que há a fazer para abandonar o actual modelo económico, que é péssimo como está à vista.


O Estado manda o Social passar frio

A EDP actualizou os preços da electricidade para 2022 em 2,4%. Vejamos o Estado Social português: os pensionistas são actualizados em 0,9% (as reformas muito baixas), 0,4% e 0,2%. O Estado manda o Social passar frio. 


O Abismo

A social-democracia tem, no fundo, por base, o compromisso entre os acréscimos de produtividade e os acréscimos salariais - é sintomático, que qualquer candidato a político encha a boca com a social-democracia ignorando aspectos elementares da doutrina. O princípio implica que há repartição entre capital e trabalho dos ganhos adquiridos com melhor organização, melhores processos e mais tecnologia. A concertação social tem um papel fundamental na sua concretização. Com efeitos muito positivos na Alemanha e, em geral, nos países do Norte da Europa, com um elevado nível civilizacional e uma cultura que gosta da racionalidade. Noutros países, como Portugal, a concertação social, em que o Governo tem uma presença decisiva, não produz os mesmo frutos. As confederações patronais regateiam o salário mínimo e pouco mais. Nunca existiu qualquer acordo sobre o nível salarial. Quanto muito discute-se o que os salários perderam, ou não, para a inflação. Os parceiros portugueses interiorizaram que não se discute a questão salarial sem discutir a questão fiscal, um tema em que as empresas ficarão sempre em desvantagem face a governo e sindicatos.

Portugal é um caso curioso de abismo económico e social, com o salário médio a crescer muito menos que o salário mínimo - o único que é imposto administrativamente, dando de barato a fixação do nível salarial da função pública. O peso dos encargos fiscais e com a segurança social nos impostos é brutal. As limitações à liquidez das empresas responsáveis por maior parte do emprego são drásticas. A capacidade de investir é muito reduzida. A burocracia é pesada. Inverter a descida da curva de rendimentos da população é uma missão quase impossível. O salário médio português continuará a degradar-se e o possível impasse político, com a dificuldade de formar governo após as eleições marcadas para final de Janeiro, vai colocar sobre observação atenta a dívida que se avoluma. Portugal é um "case study" muito divertido, mas dramático para os indígenas.

É tema de comédia. O Observador noticia que Trevor Nuah, um comediante famoso nos Estados Unidos, sucessor de Jon Stewart no Daily Show, satirizou a nova punição legal de empresários que telefonem aos empregados fora das horas de serviço. Stewart lembra que a façanha equivaleria, nos Estados Unidos, aos trabalhadores da Amazon puderem escolher entre frascos de vidro ou de plástico para urinar. Pois é. E se o seu chefe lhe telefonar à hora de jantar? Chame a polícia. É cómico. E é também o espírito do Titanic a navegar contra o iceberg.


Abolir o passado

Abolir o passado é abolir o presente, que passa a ser tábua rasa para o que se quiser que seja. Não só as novas gerações perdem a memória viva de como aqui se chegou, como o presente passa a ser uma espécie de tábua rasa inaugural onde se podem implantar os valores que se quiserem. A cultura das chamadas sociedades ocidentais, mais prósperas e mais ciosas da sua tradição democrática, e de quanto ela custou em vidas humanas, é dominada por uma espécie de cancelamento dos factos históricos, expressa, por exemplo, no derrube de estátuas, e pela reconstrução do passado em favor de uma narrativa "global" que alimenta a opinião pública a Ocidente. O também chamado capitalismo global não só se dá bem como estimula a corrente. Ou este começa a descobrir que a organização política chinesa é mais eficaz? Será, com o modo autoritário como lida com ele?

Vivemos em Estados orwellianos em que o passado não é recriado apenas à custa de aldrabices estatísticas que suportam o discurso do poder mas sobretudo à luz dos valores do mainstream da cultura dominante que invade praticamente todos os espaços de informação. Inverter esta situação é uma prioridade para as democracias ocidentais, para os seus cidadãos? Não tem sido.

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