Transe

(Maio 2013, publicado no semanário O País)     

Desconcertante e audacioso, Danny Boy conduz-nos, em Transe, através da hipnose a uma viagem alucinante, violenta e sensual, ao interior da mente humana em busca de uma memória perdida num assalto 

Se é adepto de Danny Boyle e do que ele já fez pelo cinema prepare-se para ir ver Transe (Trance no original) mais que uma vez. É que associar a palavra 'intrincado' à narrativa é manifestamente pouco no caso deste filme. E tal não acontece porque a primeira meia hora de Transe se desenrola a um ritmo alucinante. O jogo que contrapõe a ilusão à realidade vai tão longe que é difícil não encetar uma viagem tecno-psicadélica no delirante jogo de espelhos com que Boyle nos confronta. Tudo o que lá está (no filme) tem explicação plausível, relaciona-se com algo que se segue? Há linhas a cozer a trama que nos escapam? Toda a atenção é pouca para acompanhar o ritmo de Transe e as sucessivas reviravoltas que a narrativa entretece. Torna-se, ou tornar-se-á, mesmo para alguns espectadores cansativo fazê-lo mas, constituindo seguramente pura diversão alicerçada na mais sólida capacidade de fazer cinema, ao apoiar-se num argumento extremamente original, ao fazer viajar a câmara por todos os ângulos e feitios, obter efeitos notáveis da cor, Transe é seguramente algo mais do que bom entretenimento. É impossível não invocar, a seu propósito, Inseption (que levou em português o título A Origem), em que se procurava plantar a origem de uma ideia na mente de um rival. Nesta versão de Boyle os mais recônditos lugares da mente são alcançados através da hipnose.

E por falar em 'origens' refira-se que se Transe transporta, de algum modo, Boyle ao filme que o revelou (Pequenos Crimes entre Amigos) mas comprova que o realizador consegue, com o maior à-vontade, pisar qualquer género. Boyle junta assim mais uma interessantíssima obra ao seu marcante currículo, onde se contam Trainspotting, 28 Dias Depois, Sunshine - Missão Solar, Quem Quer ser Bilionário? e 127 Horas. Dele haverá sempre a esperar senão o melhor no mínimo um filme que surpreenda.

Em Transe um funcionário de uma leiloeira, Simon (James McAvoy), colabora com um gang liderado por Frank (Vincent Cassel) num assalto audacioso. O objectivo é furtar um valioso quadro de Goya. No decurso da operação Simon sofre um golpe na cabeça e perde a memória do local onde guardou o quadro. Uma memória que Frank está disposto a resgatar recorrendo a qualquer meio que se revele adequado para descobrir o paradeiro do quadro. Cedo descobre, apesar da violência a que recorre, que os meios de que dispõe não atingem o seu objectivo. É então que entra em cena uma hipnoterapeuta, Elisabeth (Rosario Dawson), que tenta entrar na mente de Simon e descobrir, dentro dela, o cobiçado quadro. Depois de sermos apresentados, por Simon, ao assalto, através de uma narrativa frenética sublinhada por uma excelente banda sonora, somos conduzidos, por Elisabeth ao interior da mente de Simon, embrenhamo-nos na realidade e na ilusão e partilhamos com os três personagens (Simon, Elisabeth e Frank) um relacionamento que é um permanente desafio alimentado por sucessivas reviravoltas.

Servido por um elenco de primeira grandeza onde se destaca o desempenho de Rosario Dawson, Transe dá-nos imagens poderosas (é de sublinhar o trabalho fotográfico de Anthony Dod Mantle), numa narrativa surpreendente que consegue reunir a acção e a violência à sensualidade, conseguindo, com movimentos de câmara que evidenciam uma mestria e uma segurança excepcionais, uma insinuante exploração dos corpos. Mais um filme a não perder.

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