Trabalho Remoto.

Até agora, quase que se resumia a um privilégio reservado a uns poucos eleitos, normalmente quadros superiores. Só que, o que até agora era visto como 'futurista', experimental ou elitista, tornou-se, com a pandemia, vital, o único modo de continuar a assegurar o fluxo normal de trabalho. Mas como conciliar, dentro do mesmo espaço, trabalho e outras tarefas da vida doméstica? Em várias reportagens e debates na televisão e na internet surgiram pais, quase desesperados, queixando-se da dificuldade em conjugar, dentro de portas, o trabalho, a atenção exigida pelos filhos, as tarefas domésticas e ainda arranjar tempo para falar com amigos na internet e relaxar. Acontece que este inesperado empurrão para dentro de casa dado às pessoas pelo vírus reveste um dramatismo único. Não se vive habitualmente sob o espectro de ser contagiado por uma doença desconhecida que pode ter uma evolução terrível e que submete a vida à incerteza. Mas quando o surto de contágio for debelado, o modo como trabalhamos, aprendemos e desenvolvemos outras actividades será outro. Ainda trabalhávamos e aprendíamos, assinalam alguns autores, de forma analógica num mundo cada vez mais digitalizado.
Na verdade, as soluções que encontradas para o distanciamento ditado pela pandemia causou disrupções que fazem que as coisas não voltem a ser como antes. As empresas não mais largarão a possibilidade do teletrabalho, em inglês o "home office". Já em 2016, um estudo da Universidade Stanford mostrava que trabalhar em casa pode aumentar em 13% a produtividade de determinados grupos de trabalhadores. A análise tinha como base a experiência de uma agência chinesa de turismo, a Ctrip, que testou por nove meses o "home office" com 249 funcionários da área de atendimento com resultados surpreendentes: aumentaram o número de minutos trabalhados e do número de chamadas atendidas, o que se traduziu numa economia de 2 000 dólares por colaborador. Os ganhos foram óbvios, mas 2/3 dos funcionários que experimentaram no ensaio pediram para voltar ao escritório por sentir saudades dos colegas. A adopção do teletrabalho não é linear, as empresas têm de seguir uma estratégia para interiorizar esta disrupção laboral que está, seguramente, inscrita no futuro pós-pandémico. Por outro lado, não se trata de um modelo generalizável a toda a actividade empresarial. Há muitos trabalhadores que, por natureza das funções, quer na área industrial como na dos serviços, não podem exercer as suas funções fora da empresa. A oportunidade inovadora do trabalho à distância ultrapassará a ansiedade da pandemia e tornar-se-á uma importante peça do puzzle da organização empresarial. Grandes empresas dão exemplos de que assim acontecerá. O Facebook deu aos 45 000 empregados que tem espalhados pelo mundo um bónus de 1 000 dólares para que equipem as suas casas para trabalhar remotamente. Também a Apple, Google, Amazon e Microsoft estão a apoiar financeiramente os seus colaboradores na montagem do seu posto de trabalho residencial.
A consultora EY desenhou uma nova abordagem ao trabalho desenvolvido remotamente, ajudando os clientes a lidar com a crise e a impulsionar a "rápida transformação digital". Para a EY só conseguiremos lidar com o sentimento invulgar de isolamento se acelerarmos a revolução digital. Trata-se, acima de tudo, de capacitar as pessoas, o bem mais valioso das organizações, para a transformação digital e as novas formas de trabalho e de interacção com a empresa, parceiros externos e clientes e de agir sobre a mentalidade das empresas, "construindo consciência cultural e remodelando competências sociais e de gestão para facilitar um estilo de liderança digital".
A EY enuncia os cinco pilares das "formas inteligentes de trabalhar", os quais foram transformados em blocos de construção complementares que, com base em necessidades específicas, também podem ser abordados individualmente. São eles que permitem difundir "formas inteligentes de trabalho": O propósito, compreendido numa visão comum, as pessoas, imbuídas de uma nova mentalidade, as plataformas que viabilizam novas aptidões, as práticas, assentes em regras claras e, finalmente, os locais, que permitem construir um melhor mundo laboral. Fixado um propósito, a equipa de liderança é encorajada a discutir a direcção estratégica, repensar prioridades e avaliar os principais atributos dos seus papéis, passos fundamentais para enfrentar a contingência e agir proactivamente. Por outro lado, é necessário construir a consciencialização sobre a auto-eficácia das pessoas com vista a moldar as mentalidades e competências particulares necessárias ao aumento da motivação e do desempenho durante um momento caracterizado pela prevalência de um grande stress colectivo. As pessoas terão de possuir maior experiência digital, o que implica o aumento da consciencialização sobre as potencialidades das ferramentas digitais, explorando as suas capacidades e funcionalidades avançadas, as quais são úteis na gestão remota de equipas e na manutenção do contacto com parceiros externos e clientes. É também necessário, no plano legal e regulatório, tendo presente a resposta das autoridades à pandemia, avaliar a eficácia das medidas de segurança implementadas e identificar as áreas de grandes riscos relativos aos indicadores de desempenho pré-estabelecidos. Finalmente, há que explorar as alavancas da mudança que promovem as novas e inteligentes formas de trabalhar orientadas para a confiança e a responsabilização, proporcionando quadros contextuais, de aptidões e culturais.
Estes "blocos" correspondem a outros tantos módulos que a EY propõe na sua agenda para a transformação digital das formas de trabalho.
PROPÓSITO
Qual a evolução das expectativas, tarefas e responsabilidades do gestor num contexto de gestão de crise? É que este deverá estar preparado para orientar, liderar e motivar as pessoas num contexto remoto e complexo. A EY propõe a definição de um roteiro com base na identificação das prioridades estratégicas e tácticas, a qual permite a criação de um plano de acção partilhado. O gestor terá ainda de ter uma percepção clara das razões que o levam a envolver-se e mudar o estilo de liderança, a agenda de negócios e as prioridades num contexto de mudança, sendo capaz de envolver a motivar a sua equipa, ao mesmo tempo que promove comportamentos resilientes. De acordo com a consultora, o módulo dedicado à "liderança inteligente" animada por um propósito tem, em resumo, como finalidade "compreender os impactos e a prioridade das pessoas".
PESSOAS
O objectivo do segundo módulo é "proteger as pessoas" agindo sobre os valores e mentalidades a alavancar para enfrentar a contingência actual com "pensamento positivo, foco e clareza". O objectivo é conseguir transmitir a percepção de "segurança psicológica" e uma atitude positiva, fornecendo ferramentas concretas para superar a sensação de estar isolado, através da comparação com especialistas externos. Para isso, importa igualmente identificar competências transversais, treinando-as para que sejam eficazes em situações de crise (por exemplo, premeditação, resiliência dinâmica, gestão de emoções, auto-eficácia, colaboração real e virtual, resolução dinâmica de problemas, pro-sociabilidade, determinação ágil, capacidade de enfrentar a ambiguidade, aprendizagem pela experiência, fazer sentido, prestação de contas). Um passo seguinte é a acção, a qual passa por definir um roteiro de vitórias rápidas para pôr em prática as competências transversais e estimular a conexão social.
PLATAFORMAS
Há que tornar as pessoas experientes no domínio digital, permitindo que elas executem o seu trabalho do dia-a-dia da melhor forma possível, evitando frustrações e encorajando a motivação e a produtividade graças aos novos instrumentos tecnológicos. Neste âmbito a EY propõe quatro tópicos para discussão: o 'brainstorming' e quadros partilhados (como organizar e gerir remotamente sessões de brainstorming e actividades de co-criação), a gestão de projectos (gestão eficaz das equipas e a correcta avaliação do seu desempenho), a automação dos fluxos de trabalho (como automatizar actividades de rotina, aumentando a produtividade) e a criação de 'apps' ('PowerApps' para prototipagem).
PRÁTICAS
A compreensão dos impactos e riscos legais ajuda as pessoas a trabalhar melhor, com a segurança de estarem no cumprimento do que lhes é legalmente exigido e dado como direito. Para que aquela seja conseguida deve ser posto em prática o trabalho inteligente, envolvendo as práticas, procedimentos e notas legais que incentivem comportamentos correctos durante a prestação de trabalho remoto, como, por exemplo, a protecção de dados, observando regras, disposições legais e boas práticas comportamentais com vista a uma gestão segura da informação e a evolução para formas inteligentes de trabalho, tendo presente a resposta do legislador e analisando a legislação em vigor que favorece o trabalho remoto.
LOCAIS
O último 'bloco' a construir na fórmula de mudança da EY assenta na manutenção da flexibilidade, explorando as alavancas da mudança e facilitando a colaboração digital. Trata-se de assegurar a flexibilidade que permite utilizar o típico local de trabalho em conjunto com o 'local virtual'. Este módulo tem em conta o ambiente (a evolução das organizações e as formas de trabalhar a favor de uma cultura corporativa baseada na confiança e na responsabilidade individual), as prioridades de negócio (um olhar sobre as prioridades organizacionais e de gestão para alinhar e sustentar o negócio principal), a cultura e valores, bem como os comportamentos (como colaborar remotamente e que bons "hábitos" há que ter para ganhar eficácia).
Ao mudar a forma de colaborar e comunicar, as regras de colaboração social numa via totalmente digital e ainda a forma de gerir recursos e parceiros externos graças a dispositivos tecnológicos a EY propõe-se "transformar um constrangimento numa oportunidade, aproveitando ao máximo as tecnologias disponíveis".
(Publicado na Exame Moçambique nº 88, Maio de 2020)