O Código Base

Depois da formidável surpresa de Moon, dá-se, com O Código Base, o esperado regresso de Duncan Jones, agora provido de outros meios. Uma aposta temerária na conjugação do filme de acção com o thriller e a ficção científica, onde cunha a marca do seu talento

(Abr 2011, publicado no semanário O País) 

 Imaginemos que só dispúnhamos de um tempo de vida muito limitado, por exemplo, 8 minutos, para atingir um objectivo determinado. Se falhássemos poderíamos repetir esse tempo de vida, sucessivamente e avançando sempre a partir da experiência anterior, da sua memória, para progredir em relação ao objectivo, o que nos permitiria economizar todos os erros cometidos nas tentativas precedentes. O novo filme de Duncan Jones, que se havia estreado com o mais que prometedor Moon - O Outro Lado da Lua, um filme formidável feito com escassíssimos meios (como demos conta, por altura da sua passagem entre nós, nestas páginas) assenta num exercício sobre a possibilidade enunciada. Desta vez com o apoio de Hollywood, Duncan lança-se numa aventura que percorre, ao mesmo tempo, os trilhos do cinema de acção, o thriller e a ficção científica, confirmando que se trata de um autor a ter em muita conta. O Código Base (Source Code) é, afinal, o nome de um dispositivo militar baseado na possibilidade de alguém utilizar os últimos minutos de sobrevivência do cérebro ao corpo que habita, hipótese explorada pela ficção científica. No filme, Colter Stevens (Jake Gyllenhaal), um capitão piloto de helicóptero morto no Afeganistão acorda no corpo de Sean dentro de um comboio a alta velocidade que se dirige a Chicago e dentro de 8 minutos vai ser alvo de um atentado terrorista. Stevens está a ser utilizado pelo projecto militar Código Base e terá não só de cumprir a sua de evitar o atentado e desvendar o seu autor como também de descobrir a sua própria identidade. A mulher sentada à sua frente, Christina (Michelle Monaghan), conhece-o mas ele próprio não sabe como foi parar àquele comboio nem porque ela o trata como Sean. E, quando se vê reflectido no espelho dos lavabos, percebe que está a encarnar a vida de alguém que não é a sua. Este é mais um dos aliciantes do excelente argumento de Código Base, assinado por Bem Ripley . Mas Duncan joga ainda um terceiro trunfo: o dos universos paralelos: Stevens/Sean ora se bate, no comboio por localizar a bomba e descobrir o assassino, ora se vê dentro de uma cápsula onde dialoga através de vídeo com a chefe de equipa do Código Base, Colleen Goodwin (Vera Formigo) ou com o seu criador, Dr. Rutledge (Jeffrey Wright). Mas, na realidade, não se encontra nem num lugar nem noutro, ele é apenas um elemento utilizado numa experimentação científica. Mas será que algum destes lugares é menos autêntico, menos real, que os outros?

Duncan que, ao contrário de Moon, beneficiou em O Código Base de um orçamento já razoável, não esbanja os meios postos à sua disposição conseguindo uma excelente simbiose entre o filme de acção, o thriller e a ficção científica, com planos aéreos e tomadas de acção no interior do comboio de primeira grandeza narrativa. A sequência inicial de planos aéreos e travellings do comboio em movimento é, pura e simplesmente de tirar o chapéu. O que faz com que O Código Base não só nos remeta para os mestres do thriller, como Alfred Hitchcok, como para duas excelentes obras que ousaram reunir os mesmos géneros: Matrix e a Origem. O Código Base não traz a surpresa nem o experimentalismo de Moon, assume-se como um filme para o grande público, servido por um excelente elenco, em que se destaca a interpretação de Jake Gyllenhaal, muitíssimo bem secundado por Michelle Monaghan e por valores seguros como Vera Formigo e Jeffrey Wright. A banda sonora de Chris Bacon é magnífica e valoriza o filme, sublinhando eximiamente as suas alterações de ritmo e as diferentes cambiantes da fotografia, desde a luz esplendorosa das cenas focadas no comboio ao ambiente sombrio da cápsula ou à frieza do laboratório.

O espectador identifica-se com o filme, entra naquela carruagem uma e outra vez e partilha, angustiado, dos 8 minutos que Sean dispõem para cumprir a missão, evitando o desastre e desmascarando o terrorista, que preparava um outro atentado ainda mais brutal. E fica a pensar na interrogação lançada pelo protagonista no final: o que faríamos se apenas dispuséssemos de um minuto de vida?

O Código Base não será ainda a obra-prima, ou uma das obras-primas, da carreira de Duncan Jones, mas é seguramente um dos melhores filmes deste ano.

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