Veio para ficar?

A inflação é mais uma incerteza, num tempo em que a caixa de pandora de todas as incertezas foi aberta pela pandemia e as suas sucessivas vagas. Aliás, a evolução dos preços depende do rumo da pandemia, é esta que ditará se a actual subida é ou não temporária. As autoridades de alguns países, como Portugal, apostam em que a actual alta é provisória e não justifica uma mudança significativa na política monetária. Portugal é um dos países com o programa de compra de dívida do banco central europeu (BCE), que, no próximo ano, vai restringir-se. O Banco de Portugal está mesmo muito optimista. O banco central norte-americano já deu indicações que vai subir a taxa de juro no próximo ano e o seu congénere europeu, embora mantenha que a subida da inflação a um ritmo significativo é excepcional, já admite tomar medidas caso o fenómeno se consolide.
No caso português uma alteração da política do banco central europeu, que agora vai comprar menos dívida, terá efeitos severos sobre a economia, com o aumento da taxa de juro efectiva suportada pela dívida, que corresponde ao peso que esta tem no conjunto da despesa, a maior desvalorização dos rendimentos comidos pela inflação (sobretudo salários e pensões), os particulares verão a prestação dos seus empréstimos ficar mais cara.
Há uma valorização generalizada de activos por todo o lado, a oferta quebrou com a pandemia (e há quem diga que a China restringiu deliberadamente a oferta de certos bens para inflacioná-los), há escassez de matérias-primas, a energia subiu de preço. Esta pressão sobre os preços poderá não se alargar aos salários e outros rendimentos (se estes subirem consolida-se a tendência para o aumento dos preços), mas é forte a quebra da oferta e o grande aumento dos custos de transporte.
Caso a inflação tenha vindo para ficar, os governos vão ter de confrontar-se com a perda de poder de compra da população e, num segundo momento, com reivindicações salariais. No caso português, os encargos com uma dívida pública que aumentou acabarão por subir, deixando menos dinheiro para pagar o resto do orçamento.