Um ano imprevisível

02-01-2022

Raramente a hegemonia parlamentar dos dois partidos que dominam a política portuguesa foi afectada. Aconteceu apenas em 1976, um ano "atípico" na transição para o actual regime, e em 1985, com o "fenómeno PRD", um partido espiritualmente presidido pelo general Ramalho Eanes e que procurava capitalizar o legado deste enquanto Presidente da República, como bem realça João Miguel Tavares na sua crónica no Público. A emergência de novas forças políticas em 2019, também reduziu o peso parlamentar dos dois partidos centrais do sistema político português, que não deixaram de garantir a maioria do hemiciclo.

É uma incógnita se as eleições legislativas portuguesas, marcadas para 30 de Janeiro, reforçam ou reduzem a influência de socialistas (PS) ou sociais-democratas, os dois partidos que governam Portugal desde implantação do regime saído do golpe militar de 1974. Para uns, haverá uma "polarização" que beneficiará os dois maiores partidos. Mas o cansaço das soluções de poder tradicionais poderá também conduzir a uma maior fragmentação dos votos. Seria surpreendente e também o início de uma viragem no sistema de alianças, havendo mais partidos a reclamar uma fracção efectiva do poder, ou mesmo da governação.

O fim da "geringonça", uma bizarra fórmula política criada pelo socialista António Costa, chamando comunistas e Bloco de Esquerda para a área do poder, anuncia uma nova era, em que os partidos mais pequenos exigem parcelas maiores do poder, sobretudo nas áreas onde estendem as suas bandeiras mediáticas. No caso da esquerda a área laboral é uma delas. À direita, embora o líder do PSD, Rui Rio, recuse, à partida, o apoio do novo partido à sua direita, o Chega, este igualmente garante que não o apoiará se não vier a ter influência no governo, sobretudo na área da segurança social.

Nem Costa pode ceder mais em matéria de leis laborais sem quebrar os seus compromissos europeus, nem Rio abriria, alguma vez, mão de ministérios. Sendo pouco provável que quer PS quer PSD conseguirão chegar a uma maioria absoluta também muito dificilmente conseguirão construir maiorias que viabilizem um governo.

Um imbróglio que pode prenunciar uma crise política relativamente prolongada, num contexto fortemente desfavorável, tanto do ponto de vista da saúde pública, com a pandemia a crescer, como da economia, com o regresso da inflação e a mais que provável subida dos juros. Os juros excepcionalmente baixos permitidos pela política do Banco Central Europeu, constituíram verdadeiros incentivos para a economia portuguesa. A eles somaram-se os cortes efectivos em serviços essenciais para salvar a honra orçamental, e até o apoio aos estragos produzidos pela pandemia na economia foi muito contido, quando comparado com o que gastaram outros países europeus.

Embora conte com um envelope de dinheiro europeu (o PRR) e com alguns projectos de investimento estrangeiro, Portugal já se vai confrontar com uma economia internacional adversa, com a inflação a corroer ainda mais o rendimento médio da população e os investidores a exercerem uma maior pressão sobre a dívida pública, obrigando a uma política de contenção do défice, seja através de cortes "invisíveis", como os feitos pelo governo socialista, seja por via de restrições orçamentais abertamente assumidas e que poderão tocar áreas muito sensíveis.

Se 2021 não foi um ano mau para a economia mundial, 2022, como alerta Nouriel Roubini, deverá ser bem pior, com a nova variante da Covid-19 a voltar a instalar a incerteza, a contracção da procura e rupturas na cadeia de valor. Roubini antecipa a inflação endémica e mesmo a estagflação (inflação e estagnação económica) a prazo devido à descolagem da economia chinesa da economia norte-americana. 

Será pouco provável que as previsões, bastante brandas (1,2%) do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a inflação em 2022 em Portugal se concretizem (o último ano terminou com a inflação homóloga nos 2,8%) e o crescimento do país parece estar nas mãos da melhor ou pior aplicação dos dinheiros europeus. Deverá ser insuficiente, até porque a incerteza que paira sobre o turismo continua a ser desastrosa para o sector. 

 Para o mundo, no imediato, ninguém arrisca respostas. Para Portugal, ainda menos.

(texto modificado dia 3/01)

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