QUANTO VAI CUSTAR A GUERRA?

O impacto da guerra na Ucrânia sobre a economia mundial poderá ser superior ao provocado pela pandemia. Esta fez com que o crescimento global recuasse mais de 3% em 2020. Em 2021 o mundo voltou a crescer (5,9%). Em Janeiro deste ano o Fundo Monetário Internacional (FMI) moderava as suas expectativas para 2022, que afinal deveria correr pior que o esperado, passando a previsão para 4,4%, meio ponto abaixo da estimativa de Outubro. Para 2023 a organização aponta para um crescimento de 3,8%.
Em Janeiro havia três razões que arrefeciam o optimismo do FMI: o aumento do número de casos de Covid-19 no mundo, a recuperação interrompida, designadamente na China e nos Estados Unidos e a persistente subida dos preços. Já antes da guerra não havia razão para deitar foguetes com a recuperação mundial.
A 4 de Março a comissão executiva do FMI, numa declaração sobre o impacto económico da guerra da Ucrânia admitia que "as consequências económicas já são muito graves" e que se o conflito escalasse "os danos económicos seriam ainda mais devastadores".
A 15 de Março o FMI prometia actualizar as suas projecções com os efeitos da guerra nas suas Perspectivas Económicas para a economia mundial em Abril e, entretanto, vai avisando que "o conflito é um revés significativo para a recuperação global da pandemia e provavelmente exacerbará a inflação".
Para o Fundo, os Estados Unidos serão os menos afectados pela guerra, lembrando que a sua economia tem poucas relações com a Ucrânia e com a Rússia e o crescimento é sólido, o desemprego baixo, embora haja o problema da inflação. Para procurar combatê-la as autoridades norte-americanas adoptarão uma política monetária menos acomodatícia, com o banco central dos EUA (FED) a subir as taxas de juro e a anunciar mais 6 correcções no preço do dinheiro este ano.
Os preços, já pressionados pela quebra de cadeias de valor causada pela pandemia, aumentarão fatalmente, agora fortemente impulsionados pelos preços das principais commodities: energia e cereais. A subida dos preços, e subirão tanto mais quanto o conflito durar e intensificar-se, atingirá sobretudo as famílias pobres, com o espectro da fome a pairar sobre as regiões economicamente mais deprimidas.
Os governos europeus terão de adoptar políticas fiscais que protejam as famílias mais vulneráveis e políticas monetárias que mitiguem os efeitos negativos da inflação sobre a actividade económica. Ou seja, terão de gastar mais dinheiro, que terá de ser subtraído a outros sectores sociais, como os serviços de saúde e educação. E terão, além disso, de gastar mais em defesa ou de procurar financiamento comunitário para a nova corrida aos armamentos anunciada pela possível nova realidade geopolítica, em que a Rússia se afasta da Europa em favor da Ásia e as fronteiras dos dois blocos vivem em permanente desconfiança, geradora de tensão.
Há riscos muito fortes da economia mundial enfrentar uma situação desastrosa, aquela que os economistas mais tentam evitar, com a redução da atividade, quebra de rendimento e consumo e preços elevados. A tempestade perfeita.
O mercado da energia é sombrio. Não se percebe bem onde e a que preço a Europa vai buscar os milhões de barris de petróleo de que precisa. E como e a que preço consegue substituir o gás russo. Vemos alemães a baterem à porta de países árabes, os Estados Unidos a aumentarem o fornecimento de gás natural liquefeito proveniente do fraccionamento do xisto, vê-se muita coisa, e também se vê o preço do petróleo e do gás a manterem-se em níveis excepcionalmente elevados. A não ser que se pretenda viver com o preço do barril a pular, diariamente, entre 120 e 110 dólares. Acresce uma nova e gigantesca dificuldade: a exigência russa de exigir à Europa o pagamento do gás natural em rublos, com o intuito de fazer subir a moeda russa. O que era esperável. Houve tentativas anteriores de ameaçar o domínio do petrodólar e basta olhar para a forma como a China paga à Rússia a energia que lhe compra, para ver a resposta russa às sanções ocidentais como previsível.
A Ucrânia é o maior produtor mundial de óleo de girassol. O segundo é a Rússia. Juntos os dois países asseguram 60% da produção mundial. Rússia e Ucrânia são também responsáveis por cerca de 29% das exportações mundiais de trigo. A forte subida de preços no mercado dos grãos vai agravar situações dramáticas que já se vivem em países do mundo menos desenvolvido. Não esqueçamos que as primaveras árabes tiveram como primeiro impulso a crise do preço dos cereais.
A reconstrução da Ucrânia vai custar milhares de milhões de dólares. A ministra ucraniana da economia avalia em 565 mil milhões (só) a infraestrutura destruída pela guerra.
A Europa propõe-se, ao mesmo tempo, sair da pandemia, fazer a transição energética, combater a redução da bio-diversidade e lutar contra a escassez global de água e alimentos e alterar a sua rede energética e aumentar os gastos em defesa.
Uma agenda muito ambiciosa perante o que vai restar desta guerra.