A CARICATURA DE FAMÍLIA

Nos sucessivos encontros proclamatórios a protocolar "fotografia de família" dos dirigentes europeus parece-se, cada vez mais, com uma caricatura triste.
O slogan "America First", mantra para o Presidente Trump, ao contrário do que muitos se deitaram a adivinhar, não combate a globalização, pretende antes que os Estados Unidos tirem dela maior benefício. Aliás, ele significa exactamente as palavras que o constituem: "América First "(ou seja, "EUA Primeiro".
As tarifas desta administração norte-americana não dobram os Estados Unidos sobre o próprio umbigo, afastando-o do admirável mundo globalizado, são instrumentos de negociação que tentam captar para os Estados Unidos um maior quinhão do excedente gerado na economia internacional. Servem tanto para fins económicos como para objectivos políticos. O Presidente Trump maneja-as como se de uma arma se tratassem.
Causam, é evidente, no imediato, revezes na economia global e a "estabilização", ou melhor, "reafirmação" do poder norte-americano vai "reajustá-la", pelo menos é isso que se pretende, aos interesses do "Tio Sam". Haverá, nisto, ganhadores e perdedores. A Europa é a maior perdedora. Já a China, o grande adversário dos Estados Unidos, dificilmente será uma das derrotadas das condições que os norte-americanos tentam impor no plano do comércio internacional. Tem, segundo a metafórica do Presidente Donald Trump, trunfos para jogar. O próximo encontro, na Coreia do Sul, entre os presidentes dos Estados Unidos e da China esclarecerá muita coisa.
Como se não bastassem as tarifas há as sanções impostas à Federação Russa no contexto da guerra da Ucrânia. Trouxeram à Europa a perda da sua "segurança" energética, o que claramente beneficiou China e Índia. O que é interessante é que, desde o início do conflito, as sanções aplicadas à Federação Russa não constituem um "suplemento" às hostilidades militares, mas o principal instrumento para fazer soçobrar o regime do Presidente Putin, que, no cenário imaginado pelos iluminados da senha sancionatória, se viria a confrontar com a deterioração da economia interna e o consequente descontentamento das populações, o que, "em teoria" levaria a "elite no poder" russa a desembainhar as facas longas para eliminar a liderança de Vladimir Putin.
Glosa-se muito o facto de a Europa aplicar sucessivas vagas de sanções sem sucesso. A economia russa encontrou alternativa às sanções e a Europa não só paga hoje muito mais caro pela energia que consome, como nunca importou tanto gás natural liquefeito (LNG) russo.
A Índia trata de refinar parte do petróleo que depois chega à Europa e daí tem retirado proveitos elevados, a interdição dos petroleiros russos redundou na multiplicação da chamada "frota fantasma", com pavilhões de países que, por vezes, nem têm registo de navios e que se fazem ao mar sem seguro, já que as grandes resseguradoras são europeias. E se houver um acidente grave, um derrame catastrófico? Não se sabe. O problema começa por ser do país em cuja zona marítima tal possa vir a ocorrer... A União Europeia conseguiu listar 557 navios incluídos na chamada "frota fantasma" russa, que irá agora naturalmente recorrer a novos expedientes para continuar a exportar energia.
Note-se que a frota mercante que arvora bandeira russa é de 2.873 navios, muito superior à norte-americana.
Ucranianos e europeus rejubilaram com o facto de a administração Trump ter aplicado, pela primeira vez, sanções à exportação de petróleo e gás natural. Com sanções duras sobre os dois gigantes russos da produção de energia, Rosnef e Lukoil, que possuem refinarias por todo o lado, incluindo a Europa e os Estados Unidos. A consequência imediata é o aumento dos preços do petróleo - o que já está a acontecer. É possível que a medida afecte, pelo menos para já, enquanto não forem encontradas novas alternativas, as receitas russas com a venda de energia. A necessidade de aumentar o desconto a quem a comprar poderá, é certo, ser compensada pela elevação do preço da matéria-prima, só que quem vai ganhar mais com a medida são os intermediários, que comprarão a energia russa mais barata, a que acrescentarão um prémio de risco por 'furar' as sanções. Quem pagará seguramente mais é o consumidor final, uma má notícia para os consumidores europeus que veem as suas economias a desmoronar-se como castelos de cartas. A Alemanha afunda-se, o Reino Unido derrapa e a França estrangula-se no défice orçamental crescente.
Não há memória que a aplicação de sanções tenha resultado em algum lado em tempo algum, embora se insista na causa.
A União Europeia candidata-se seriamente a ser a grande derrotada no conflito da Ucrânia.
Mas reúne-se sucessivamente, azafama-se em gritar perigos todos os dias e a fazer juras que não tem capacidade de pagar (está exausta) ou que tenta pagar com o "pelo do cão" - a inacreditável e sempre adiada ideia de utilizar as reservas russas para fazer face à despesa com a Ucrânia.
Nos sucessivos encontros proclamatórios a protocolar "fotografia de família" dos dirigentes europeus parece-se, cada vez mais, com uma caricatura triste.