Como a ÓROPA trama o EURO

A contestação será muito viva se a despesa pública que é possível fazer for gasta em devaneios geopolíticos
A Europa atrasou-se na revolução tecnológica. As novas e novíssimas tecnologias agrupam-se num sector que representa já hoje 35% do valor do mercado mundial. Entre as 20 maiores empresas tecnológicas do mundo não se descortina nenhuma europeia, embora uma chinesa marque presença em 10º lugar, numa lista onde, além dela, surgem apenas empresas norte-americanas e uma tailandesa (de semicondutores).
Por outro lado, o Relatório do Índice Global de Inovação (GII) 2024 publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) revela que a China já ocupa o 11º lugar entre os 130 países considerados no último ano. Para os europeus a boa notícia é de que vários países do continente, sobretudo do Norte da Europa, constam entre os 10 mais inovadores segundo o índice: Suíça, Suécia, Estados Unidos, Singapura, Reino Unido, Coreia do Sul, Finlândia, Holanda, Alemanha e Dinamarca.
Contudo, os efeitos da inovação europeia não se reflectem na malha empresarial global, nem melhoram o medíocre crescimento da produtividade na Europa. Esta é quatro vezes maior nos Estados Unidos que na Zona Euro. As empresas norte-americanas investem muito mais em tecnologia que as do grupo da moeda única.
O que acontece é que as empresas europeias não conseguem projectar comercialmente a inovação produzida no continente. É que a região, quando consegue ser inovadora, vê as inovações derivarem para as cadeias internacionais de valor.
O crescimento europeu também é mais que sofrível, face aos Estados Unidos (e aguardam-se os resultados da administração Trump) e à China, o único país ainda no patamar do 'rendimento médio' que se inclui entre as 30 economias mais inovadoras. Os tempos de elevadas taxas de crescimento das economias europeias que estiveram na base do seu 'Estado Social' foram-se esfumando à medida que se aproximava o final do Séc. XX.
A dívida, que inicialmente tomou conta dos países mais periféricos na União Europeia (como Irlanda, Portugal e Grécia), tornou-se um problema para as economias centrais do sistema europeu: França e Alemanha (o caso da Itália deve ser visto à parte, pois parte significativa da dívida do Estado italiano é contraída internamente). O que é facto é que os motores da UE ameaçam "gripar", nomeadamente França e Alemanha, a Itália vai-se aguentando, e, mesmo fora da União Europeia, a economia do Reino Unido não se recomenda.
Sabe-se qual foi a receita aplicada aos países incumpridores do critério da dívida e do défice, estabelecidos como instrumentos para segurar a moeda comum, uma consequência da reunificação alemã. Também a moeda alemã foi unificada, os dois marcos foram amalgamados no euro. A receita foi o forte aperto fiscal dos países 'mal comportados'.
Pelos vistos o critério mudou, a Alemanha, a economia motora da União Europeia e que se encontra em estagnação há dois anos consecutivos, prepara-se mesmo para rearmar-se à custa de dívida. O que poderá abanar fortemente a moeda única, com a França a também já ter superado os limites fixados pelos pactos europeus.
Será que os alemães vão, por exemplo, vender os seus automóveis hoje pouco competitivos por força das armas. Realce-se que a indústria automóvel, fundamental para a Europa, foi desgraçadamente atingida por uma inimaginável imposição de objectivos absurdos e multas pela burocracia de Bruxelas - ou só imaginável por ela.
Entalada entre grandes blocos económicos e/ou militares - Estados Unidos, China e Rússia -, a Europa, com o seu mercado de consumo a acercar-se de 500 milhões de consumidores, grande parte sustentados no seu poder de compra por um Estado Social que abre brechas face à dificuldade de financiamento face ao fraco crescimento da economia, não sabe para onde virar-se. Talvez a tontearia dos seus principais dirigentes decorra das voltas que as respectivas cabecinhas dão entre os grandes blocos globais. A situação mais se parece com um cerco.
As patéticas elites europeias, com as dificuldades económicas que afectam a União Europeia, decidiram agora dar prioridade à defesa. Como envolve o compromisso dos diferentes países, as autoridades comunitárias prometem "suspender", à laia de rebuçado, os limites fixados ao endividamento, antes apresentados como decisivos para garantir a estabilidade da moeda única, para conseguir embarcar na aventura armamentista, descobrindo, certamente em resultado de uma bizarra epifania, que o "segredo" da reindustrialização está no desenvolvimento da indústria militar.
A verdade é que, contando para o défice ou disso sendo dispensada, bem como das imediatas sanções impostas aos países infractores, o que se pede emprestado tem que se pagar, assim como os juros respectivos. E pagam-se sem desconto, a complacência de Bruxelas não reduz o montante da conta.
É fácil, com esta aventura em mediático andamento, antever maior efervescência social e mais radicais mudanças na composição dos sistemas partidários à medida que as economias europeias deixarem de corresponder aos padrões de vida a que os seus cidadãos se habituaram. A contestação será muito viva se a despesa pública que é possível fazer for gasta em devaneios geopolíticos.
O que não se percebe é se toda esta anunciada pressa se destina a arranjar o dinheiro para o que o Presidente Donald Trump exige aos europeus para a maior comparticipação na NATO, e também não se entende porque é que a Organização para a Cooperação e Segurança Europeia (OCSE) se encontra praticamente paralisada. O objectivo será outro? Qual? O de estabelecer nova aliança militar a par da NATO ou uma outra que implique a rejeição da NATO? Não se percebe o que quer que seja, para além de manifesta incompetência e absoluta desorientação da actualmente (in)existente liderança europeia (da UE?). O desvaire anda, perigosamente, à solta.