O COLAPSO EUROPEU ANUNCIADO

Em Portugal, um novo partido, o ADN, pode constituir a grande surpresa das próximas eleições com as suas exemplificadas denúncias de um sistema que conduziu o país a rendimentos e vidas miseráveis, ineficiências generalizadas nos sistemas públicos e preocupante mal-estar social
A globalização confronta-se, vistosamente, com o seu efeito 'boomerang'. O impacto produzido sobre os países supostamente seus beneficiários é inquietante: desemprego resultante da desindustrialização, imigração massiva tomando empregos e esmagando salários (sobretudo entre a mão-de-obra menos qualificada) e gerando conflitos culturais e sociais.
A mobilidade, turbulenta, da mão-de-obra é a previsível "desforra" da instantânea mobilidade do capital, mas causa mossa entre os países, desenvolvidos, de destino.
Ao mesmo tempo a globalização adoptou a cultura em voga na maior parte das academias e entre as elites. Os sites das grandes corporações reflectem, sem esforço, as ideias ligadas ao chamado EID ('Equity, Inclusion and Diversity'), ou seja, a ideologia que recobre uma mescla de reivindicações ligadas ao género e a "questões identitárias" que contaminou completamente a narrativa dos grandes meios de comunicação social. O "wokismo" impregnou as estruturas de poder, com uma sanha censória que relega para o museu as rudes técnicas tradicionais de coartar a liberdade de expressão e manipular as consciências.
A antiglobalização, um tema de esquerda há ainda poucos anos, que mobilizava à época coloridos protestos, tornou-se, no ocidente que gerou o fenómeno, a palavra-de-ordem de grupos nacionalistas.
Os resultados de tudo isto estão à vista, a começar pela reconquista do poder por Donald Trump nos Estados Unidos, a suposta cabeça do polvo global (ou a alma da "ordem internacional liberal", ao gosto de cada um), e a passar, copiosamente, pela mudança no sistema partidário na Europa, onde os designados partidos populistas são os únicos que avançam.
As coisas correram mal. A China passou a ser um competidor pela liderança da economia global e, ao contrário do que pensaram as elites ocidentais (o caso mais divertido é Fukuyama e o seu "fim da História" ditado pelo triunfo da "ordem liberal" ou "neoliberal", segundo a preferência do freguês) a potência asiática não se democratizou. É um país comunista e Xi Ji Ping nem esconde o seu apreço por Estaline. É a vida…
Zangados com os Estados Unidos e desconfiados da China, de quem dependem, as elites europeias no poder são cada vez mais ameaçadas por forças políticas nacionalistas e anti-globalistas que se opõem aos valores eleitos: o predomínio da burocracia de Bruxelas, que actua já como se comandasse uma federação, como se esta já tivesse ocorrido na clandestinidade. Arvora-se em campeã da transição climática, infligindo sérios danos ao acesso a energia mais barata, impõe a sua legislação aos mais pequenos detalhes da vida dos Estados-membros, que registam crescimentos medíocres e crescente endividamento, impõe "valores" mais que discutíveis em matérias de "género" e "identidade" e parece disposta a sacrificar qualquer recuperação económica, ou seja, do nível e qualidade de vida dos cidadãos, a estranhas aventuras bélicas, pelo menos é isso que transparece da abundante e extrema agressividade vocal.
O sistema partidário nos diferentes países do continente continua em mutação. Itália conta com um bem sucedido governo nacionalista e em França e na Alemanha a 'nova direita', a AfD, desafia o poder, o qual, em reacção nada democrática, a ostraciza, ainda com receio, mesmo assim, de a remeter já para a ilegalidade. A Polónia não alinha nas birras anti-Trump de alguns dos seus grandes parceiros continentais e insiste no papel dos Estados Unidos e da NATO na defesa do ocidente europeu: considera-os indispensáveis. Na Roménia, após a vigarice da anulação das últimas eleições presidenciais, as sondagens dão agora, na repetição do pleito, a vitória ao candidato da "extrema-direita". As elites francesas tentam, por todos os meios, livrar-se de Marine le Pen antes das próximas eleições presidenciais em pânico de que o seu favoritismo se confirme. Em Portugal, que realiza eleições legislativas a seguir às presidenciais romenas, o fiel da balança política continua a pender para a direita, com os partidos de extrema-esquerda e os comunistas em risco de desaparecerem do espectro parlamentar ou tornarem-se absolutamente irrelevantes e com a possibilidade de um novo partido que recusa posicionar-se segundo o binómio tradicional esquerda/direita, o ADN, poder constituir a grande surpresa das próximas eleições, com as suas exemplificadas denúncias de um sistema que conduziu o país a rendimentos muito baixos, ineficiências generalizadas nos sistemas públicos e a preocupante mal-estar social.
Sem autonomia nem segurança energética, sem presença marcante na inovação (entre as 50 maiores empresas tecnológicas do planeta, o relatório Draghi sobre competitividade europeia apenas conta quatro empresas do continente) sem crescimento risível, sem entendimento político entre os seus principais países, incluído o Reino Unido, acossada pela insatisfação e contestação internas e a debater-se com uma dívida elevada, a Europa, ou as forças que até agora a dominaram, mostra-se atordoada, agarrada ao passado, sem conseguir compreender um mundo que mudou.
O tempo não volta para trás, a designada, com claro cinismo, "ordem mundial liberal" deixou de existir, já que o seu pulmão, os Estados Unidos, mudaram radicalmente a agulha e procuram agora manter a hegemonia num mundo que passou a ser multipolar. "Mas move-se…", insistia Galileu Galilei entre dentes perante a brutalidade dos seus sinistros inquiridores. O mundo move-se, mas a Europa não o compreende nem o acompanha.