As contas discutíveis que dão a vitória a Costa

É mais que provável que os socialistas ganhem as eleições para o parlamento português agendadas para o final deste mês de Janeiro. O número de pessoas dependentes do Estado condiciona em Portugal o resultado de quaisquer eleições, mesmo que as remunerações médias sejam baixas e os serviços públicos prestados medíocres. E o actual primeiro-ministro, António Costa, não teve, incluindo na pandemia, um desempenho capaz de levar os portugueses a tentar uma alternativa de governo. O actual primeiro-ministro tem, para justificar que a sua governação foi positiva, três argumentos: o crescimento, o défice e o emprego.
O crescimento de facto aumentou, tanto em relação ao crescimento médio do país entre o ano 2000 e 2015, como em relação ao conseguido pelos seus predecessores - José Sócrates, seu antecessor no Partido Socialista e cujo governo teve de assumir a falência iminente do país, e Passos Coelho, do PSD, que aplicou o programa de ajustamento económico ditado pelas entidades que socorreram Portugal.
Os dois consulados de Sócrates saldaram-se num magro crescimento de 0,3%, inferior mesmo à média desoladora registada desde o início do milénio (0,4%) até 2016, o primeiro ano da governação de António Costa. Entre 2000 e 2016, os socialistas governaram o país durante 8 anos e o PSD ocupou o poder 7 anos, com realce para os quatro anos em que foi aplicado o programa de resgate do país . O pedido de socorro externo conduziu, no primeiro ano de governação de Passos Coelho, a um valor de "crescimento negativo" só superado no "ano revolucionário" de 1975. Quando o actual primeiro-ministro, António Costa, foi empossado o crescimento já era positivo em 1,8% (taxa de crescimento do PIB em 2015), apesar das restrições à procura interna (rendimentos, logo consumo), inevitáveis durante os anos de resgate.
Os governos de António Costa beneficiaram de uma "rampa de crescimento positivo" e do reequilíbrio das contas públicas. Beneficiaram igualmente da vaga de turismo, da "descoberta" de Portugal como destino de eleição, um mercado em que "estar na moda" é uma vantagem sempre transitória. Registe-se ainda que durante o último governo socialista o crescimento atingiu o seu máximo em 2017, decaindo depois em 2018 (para 2,8%) e 2019 (para 2,7%), anos que precederam a pandemia.
Não parece haver assim um milagre do crescimento conseguido pelos últimos governos socialistas até ao advento da pandemia, pois herdam boas condições económicas, quer no plano interno quer no internacional, com a economia mundial a atravessar um bom momento e o Banco Central Europeu a aguentar, com a sua política, os países mais endividados. Se é verdade que o primeiro-ministro recandidato pode apresentar as estatísticas que dão aos seus governos o mérito de terem conseguido um nível de crescimento razoável face ao passado mais recente, também é verdade que essa não é toda...a verdade.
António Costa vai ainda continuar a insistir na taxa de desemprego conseguida. Ela encerrará muita polémica, mas é a oficial. Assim como no equilíbrio das contas pública, até à chegada da pandemia. Com esta regressaram os défices orçamentais e o aumento da dívida pública.
Estes argumentos são poderosos, correspondem a realidades sentidas pelo eleitorado, que na sua maioria não está satisfeita com o que ganha, mas teme perder o que tem.
O que é mais curioso é que no cenário macroeconómico traçado pelos sociais-democratas do PSD, uma iniciativa frontal e arriscada que capta simpatias em meios intelectuais e empresariais, projecta-se um PIB potencial em 2026 de 2,5%. Seria aparentemente matéria para os socialistas atacarem. Não o irão fazer, até porque assim se dispensam de ter de dizer o que esperam da evolução da economia, para lá do programa de auxílio europeu a fundo perdido e dos projectos de investimento estrangeiro que estão em carteira.
A direita, nela incluindo o PSD, tem proposto ideias e medidas para o impulso da economia e a reforma de algumas áreas fundamentais que, em Portugal, constituem um entrave ao desenvolvimento. Irá conquistar mais eleitores, sem que estes sejam ainda suficientes para lhe assegurar o governo do país.
A António Costa deverá seguir-se António Costa, ou com maioria absoluta, a hipótese menos provável, ou com pequenos partidos como PAN e Livre, que lhe poderão dar a maioria parlamentar à tangente, ou mergulhado numa crise sistemática de governação que culminará, mais cedo ou mais tarde, num governo claramente à direita dos socialistas, que vêm dominando a política portuguesa desde 1974.