
Boyhood: Momentos de Uma Vida
(Dez 2014, publicado no semanário O País)
Uma sucessão arrastadíssima, penosa, insípida de momentos de
vidas irritantemente banais é o que nos propõe o realizador Richard Linktaker.
A crítica, quase unanimemente, aclamou o projecto. Raramente assistimos a coisa
tão chata
Boyhood é um infindável e penoso arrastar de vidas banais. Imaginámos que o cinema há muito já havia compreendido que seria tudo menos umas camarazinhas apontadas à realidade, mesmo que cruelmente esticada ao longo de anos a fio, como é o caso. Boyhood, Momentos de Uma Vida procura ficcionar um olhar documental sobre vidas de uma determinada classe de um determinado país, sem o conseguir, estatelando-se num pastelão documental sem ponta por onde se pegue.
O projecto é ambicioso, tão ambicioso que descamba num dos filmes mais chatos que já alguma vez se nos deparou. Não consegue conciliar os elementos ficcionais e documentais, estatelando-se num pastelão documental sem ponta por onde se pegue. E, para que haja sinceridade absoluta para com o leitor, confessamos que saímos a meio, pois que o aborrecimento se estenderia pela metade descartada era coisa mais que adivinhável.
O que se passa é que o realizador Richard Linklater leva ao limite a abordagem que já explorara na trilogia Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer/Antes da Meia-Noite. O filme, como o próprio sublinhou aquando da exibição de Boyhood no Festival de Berlim, onde foi aclamado como uma 'obra-prima', pretende mostrar 'o modo como o tempo passa pelas nossas vidas', enaltecendo os 'pequenos momentos que fazem a diferença, em vez dos grandes momentos que vêm sempre nos filmes'. Assim, constrói um argumento como se vão atirando fotos para dentro de um álbum de família e fá-lo persistentemente com imagens captadas ao longo de 12 anos de vida de um rapaz, acompanhando 'em tempo real' o desinteressante crescimento de Mason (Ellar Coltrane), feito num ambiente típico da pequena burguesia norte-americana. Tudo no filme é rotundamente pequeno-burguês, desesperadamente insípido, absolutamente risível.
Havia, à partida, curiosidade em conhecer o resultado do projecto. Linktaker começou a filmar o jovem quando ele tinha seis anos, gravou 15 minutos de filme todos os anos e encerrou o projecto quando ele acabou de completar 18 anos. E, no meio da banalidade que é a vida do jovem e dos que o rodeiam (feita de divórcios, segundos casamentos muito mal sucedidos, rotinas da puberdade), até se fazem referências vagas ao que se passou para lá daquelas vidas. A intervenção no Iraque, a campanha de Obama chegam a perturbar toda a normalidade das vidas retratadas. Será que passou pela cabeça a Linktaker pegar na matéria-prima que recolheu para nos falar da vida do 'americano médio' que até passa por algumas dificuldades e nos dar um bom filme sobre a vacuidade daquelas almas? Infelizmente não. Tentamos acreditar que algo ainda pode acontecer naquela narrativa até nos convencermos que não é preciso esperar pelo fim do filme para confirmar que nele não se passa mesmo nada. E algumas das cenas resvalam perigosamente para o mau gosto como a da iniciação dos jovens em álcool, envolta em conversas sobre sexo.
Para nós o cinema passa por saber contar bem uma estória. Boyhood é o contrário disso. Se o filme tem a capacidade de nos mostrar a quão pouco se resumem aquelas vidas, descrevendo, nos mais ínfimos pormenores, um punhado de existências banais, insinua que elas são universais, o que é uma estranhíssima generalização. No entanto, a crítica aclamou. Se calhar faz muito bem.
Não é que a temporalidade arrastada adoptada por Linktaker surpreenda ou escandalize. Pura e simplesmente chateia que se farta! Felizmente gostos não se discutem.