127 Horas                                                                        

(Mar 2011, publicado no semanário O País)

Claustrofóbico, dramático e brutal o filme de Boyle narra um acontecimento real. O talento do realizador e o excepcional desempenho de James Franco conferem-lhe uma intensidade que nos deixa sem respiração

O filme de Danny Boyle, baseado na estória verídica de um alpinista solitário que fica com o braço preço numa pedra dentro de uma ravina durante 127 horas foi um candidato "outsider" aos Óscares de Hollywood este ano. Em Abril de 2003, o montanhista Aron Ralston pôs a mochila às costas e demandou, sozinho, a área montanhosa do deserto do Utah, nos Estados Unidos. Descontraído, alegre e desenvolto, conhecedor do terreno, o praticante do desporto radical que dá pelo nome de canyoneering, encontra, pelo caminho, e após um percalço, talvez premonitório, em que o atira para fora da bicicleta, duas jovens que deambulavam aquelas paragens e a quem inicia nuns mergulhos num lago secreto. Prossegue a sua marcha longe de imaginar o que o destino lhe reservara: numa ravina descolam-se umas pedras e uma delas esmaga-lhe o prazo. Um destino que, ironiza nas primeiras das suas 127 horas de sofrimento e luta, quem sabe, o esperou durante toda a sua (ainda curta) vida.

O desafio de Ralston, que se veio a tornar famoso e escreveu um livro em que narra a sua odisseia pela sobrevivência ("Between a Rock and a Hard Place"), no qual se baseia o filme, foi vencido, dolorosamente, ao cabo de 127 horas. Boyle fixou-se 92 minutos para vencer o seu, o de prender o espectador a um único actor e um único cenário ao longo de 92 minutos - excluindo a rápida preparação de Ralston em casa e a caminhada que faz até ao local do acidente, no decurso da qual encontra as duas jovens, o filme (90 por cento dele) resume-se à batalha desesperante do alpinista dentro da ravina para libertar o braço da pedra. Conta como trunfo com a notável interpretação do actor James Franco na figura de Ralston, a que acrescenta vários flashbacks que procuram projectar as memórias que vão assaltando o alpinista durante o seu doloroso cativeiro. Que, aliás, funcionam mais como adorno dispensáveis e, muitas vezes, confusos e pouco acrescentam ao drama, conseguindo mesmo o efeito contrário de quebrar a intensidade da narrativa.

127 Horas é um filme sufocante, claustrofóbico, que nos coloca perante o acaso, o acidental no seu sentido literal, o imprevisto que, de um momento para o outro, nos confronta os nossos limites. E mostra-nos como pormenores a que não damos importância podem ser decisivos nessas situações. Ralston esquece-se de levar consigo um canivete suíço e vê-se obrigado a socorrer-se do que transporta na mochila numa das suas estratégias para se libertar - um canivete chinês que fazia parte de um kit barato que lhe fora oferecido pela mãe no Natal. Mas não se esquecera de se munir com os meios de registo da sua aventura, fazendo-se acompanhar de duas câmaras, uma fotográfica e outra de vídeo. É com elas que trava um longo monólogo enquanto se tenta libertar da rocha que lhe imobiliza o braço, elas funcionam como um espelho onde se reflecte e inscreve. Quando o prolongar da situação o começa a transfigurar recusa a imagem, filma mas não se vê, o visor da câmara fica voltada para o espectador, duplicando o drama.

Boyle narra com perícia, e Franco desempenha-o exemplarmente, a cadência da experiência vivida Ralston ao longo de quase cinco dias. À tentativa de controlo inicial sucedem-se, com o desesperante arrastar das horas, o delírio e a alucinação. E quando a vida se joga em definitivo mais vale sacrificar parte do corpo que sucumbir de todo. A amputação do braço por Ralston, que Boyle faz adivinhar ser o cúmulo da estória ao longo de toda a narrativa, é um acto brutal, impressionante e que terá mesmo causado mal-estar em alguns espectadores por todo o mundo.

Um filme em que Boyle (o autor de Quem Quer Ser Bilionário) mostra a sua destreza para, com magníficos golpes de câmara, imprimir movimento a um homem imobilizado por uma rocha, Franco tem uma interpretação a todos os títulos notável (compreende-se perfeitamente a sua nomeação para o Óscar) e a banda sonora de A.R. Rahman compõe o ambiente angustiante de uma situação que obriga um homem encurralado pelo imprevisto a superar a dor e a amputar-se para preservar a própria vida.

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